O apoio a um indivíduo em sofrimento pode ser orientado por diferentes princípios. O princípio básico da escuta psicanalítica é o da transferência. A experiência emocional do paciente expressa um padecimento que falha a transformação. – “Está fixado”, diz-se. – Essa fixação traduz episódio(s) da história do paciente que se repetem demasiado e com demasiado prejuízo na vida do paciente.
O paciente (do grego pathos = aquele vive um sofrimento) traz o seu discurso e o modo de estar e se relacionar. Tudo isso são expressões do seu “padecimento” que importa escutar. A relação terapêutica é espaço para a expressão, compreensão e transformação (crescimento) do paciente.
A escuta ao paciente é de uma dimensão intelectual e afetiva, mas o psicólogo também deve ter em consideração o impacto dessa experiência do paciente na sua própria mente (do psicólogo). Isso implica uma preparação profissional que valoriza fortemente o desenvolvimento pessoal do terapeuta. O terapeuta só estará capaz de receber a vivência do paciente numa experiência emocional e intelectual verdadeira e, portanto, promotora de crescimento, se tiver desenvolvido uma capacidade de pensar sobre as suas próprias experiências emocionais mais profundas. É a isto que se chama a “função analítica da personalidade”. O terapeuta só poderá sê-lo depois de ter vivido a sua experiência como paciente, tendo aperfeiçoado na sua psicoterapia a “função analítica da personalidade”, já iniciada na relação com os seus pais. Uma vez desenvolvida, o paciente torna-se “paciente de si mesmo”, não como se ficasse mais isolado, mas antes por se ter tornado mais rico, diverso, capaz e amoroso.
Em psicoterapia de orientação psicanalítica cria-se um espaço de conforto, entendimento e abertura ao pensamento e sonho, homólogo da experiência necessária à fundação de uma vida humana. É uma relação onde o sentimento de dependência é vivido, relativamente a um dispositivo terapêutico estável, onde todos os sentimentos têm lugar e se transformam, num percurso para a autonomia.
Diferentes pedidos, diferentes linguagens…
Uma criança pode jogar e fantasiar, e a comunicação será mais rica se ela sentir companhia nessa dimensão. Jogando e recebendo na sua fantasia os gestos e as palavras do seu paciente, o terapeuta contém os impactos e traduz os elementos em jogo. Só o pensamento simbolizado é aglutinador da experiência. Só a palavra (criada na experiência emocional) cria novas linguagens na mente da criança.
O relacionamento familiar na infância é organizado no discurso dos pais. Essa intervenção vai diminuindo, tal como o espaço individual a respeitar se amplia. A adolescência é o exemplo desta necessidade de respeito individual. Também a linguagem muda, buscando códigos de diferentes grupos. A psicoterapia será, aí, reduto da função de ligação, para que a apressada configuração de uma identidade não se faça por exclusão (de partes de si) mas sim por transformação.
Se um adulto pede ajuda porque sofre, suspeitando uma ligação desse sofrimento com a sua história pessoal, outro procura ajuda porque a não encontra noutras propostas. Este último é mais movido pela urgência do que pelo interesse de se entender. Sendo ambos adultos, terão ambos acesso ao verbal, recurso valioso para este “descobrimento”. O processo clínico usará sempre a palavra como ferramenta, mas o meio onde se move só poderá ser determinado em função do paciente.
Com o aumento da esperança de vida, muitos idosos investem no seu bem-estar, tirando partido de memórias e sentimentos de infância que retornam, permeando o quotidiano. O equilíbrio psicossomático requer mais apoio no reconhecimento emocional, melhorando a qualidade de vida.
O processo terapêutico é multidimensional. A experiência espontânea é vivenciada como tal, elaborada num plano simbólico e onírico, para ser verbalizada. Cada passo é realizado entre terapeuta e paciente, cabendo ao terapeuta a ação mínima necessária, sempre com a finalidade do desenvolvimento das capacidades do paciente.
Dr. Sérgio Cunha
Psicólogo Clínico