- Cortar o cordão – cerzindo, sobre o trauma do nascimento
O nascimento é um momento belo. Evoca em nós sentimentos de ternura. Mas esta qualidade é indissociável do seu carácter crítico, como transição de um estado de suporte, a outro de (des)amparo. O novo estado (extra-uterino) é caracterizado pela falta de suporte físico (de um meio aquático com temperatura regulada) e fisiológico (a falta da regulação da placenta, pelo corte do cordão umbilical). Do mesmo modo, o distanciamento do corpo da mãe resulta na perca de um referencial, pelo ritmo do coração, o som da sua voz, os paladares e odores, ou outros sinais antes presentes no interior do corpo materno.
Assegurar a regulação das necessidades fisiológicas, de modo a repor o sentimento de unidade com a mãe, é (apenas) o primeiro passo.
- Vinculação – Uma ponte para a identidade
O bebé nasce predisposto ao estabelecimento de uma ligação. Esta ligação está associada à satisfação de necessidades do bebé, mas vai para além disso, sendo que o bebé traz em si mesmo uma predisposição para se vincular ao rosto humano, focando e mantendo o olhar, respondendo ao toque com o reflexo de agarrar, orientando-se para a origem da voz que já conhece, do útero.
A vinculação é um processo que permite uma retomada parcial do sentimento de unidade, violentamente atacado com o nascimento. Para que esta vinculação seja segura, será necessário o encontro dos instintos vitais do bebé com o amparo materno.
- Unidade psicossomática – da união física à união mental
O leitor sentirá perplexidade, ao considerar a gravidade do trauma do nascimento. Esta perplexidade poderá agravar-se perante a ideia de que uma unidade física e fisiológica será o fundamento da identidade.
Perguntará, o leitor – “Então, a solução para este grave corte é a manutenção de uma unidade física e fisiológica, comprometendo a autonomia?”
A relação da mãe com o bebé é um processo evolutivo, no qual as necessidades fisiológicas deste são também necessidades emocionais, carentes de um lugar de expressão, um caldo emocional. O bebé no útero da mãe flutua no líquido amniótico. Ao colo da mãe ele flutua assim mesmo, mas também no sentimento de segurança e na fantasia da mãe.
O sentimento de segurança viabiliza uma atitude de constante ligação entre as necessidades físicas do bebé e as suas necessidades emocionais, traduzidas em conforto, em ritmos, em sons moderados e harmónicos que resultam do impacto emocional e estético do bebé sobre as experiências emocionais da mãe.
A comunicação desta experiência emocional e estética realiza-se em gestos e palavras, os quais vão sendo gradualmente entendidos. Nesta relação de entendimento, desenvolve-se um “aparelho de entendimento” na mente do bebé.
À medida que o aparelho mental do bebé se desenvolve, a vinculação torna-se mais mentalizada ou simbólica, e menos dependente da realidade física e fisiológica.
Resumindo, a função mental da mãe com o bebé é o espaço de transformação necessário ao desenvolvimento da autonomia.
Dr. Sérgio Cunha – Psicólogo Clínico