Emoção Discreta

Emoção Discreta

A gíria regional apresenta um termo particular – “Fulano é discreto.” – é inteligente. O termo surpreende, mas será uma mera extensão do conceito de inteligência. Uma pessoa inteligente terá sobriedade. O saudável eco emocional distingue-se da emotividade frívola. A inteligência desenvolve-se nos limites da mente. Uma emoção superficial será reveladora da fragilidade dos processos mentais. Quer seja nos desafios de todos os dias, ou na vivência do trauma, confrontamo-nos com a pressão emocional, face ao raciocínio acerca de uma realidade. É um conflito interno.

A história das ideias apresenta-nos diferentes formas de gerir a razão e as paixões. Movimentos como o Iluminismo e o Romantismo exemplificam opostos no balanço de dois fatores: por um lado, cientificidade e razão, e por outro lado, sentimento, afeto, desejo e idealismo. Os ideais românticos (séc. XIX) subordinavam a razão a um ideal de harmonia, o qual viria a ser desafiado por dois pensadores. Charles Darwin que, com a publicação de “A Origem das Espécies” (1859), foi visto como um Prometeu. O detalhe na observação e o pensamento metódico, abalaram o “edifício” moral contemporâneo, e o status quo ofereceu-lhe forte resistência. Inspirado por Darwin, o médico neurologista Sigmund Freud, nos finais do séc. XIX, procurou entender as “doenças nervosas” estudadas por Charcot, no Hospital da Salpêtrière, em Paris. O sintoma até aí atribuído a causa nervosa – a paralisia de uma área do corpo – impunha uma outra explicação, visto que afetava diferentes “regiões” nervosas, algumas das quais apenas parcialmente. Freud utilizou os métodos do momento (como a hipnose), mas prosseguiu para uma observação profunda e minuciosa da realidade intrapsíquica dos seus pacientes, distanciando-se dos métodos de Charcot, para criar as bases da Psicanálise.

Estamos perante uma nova ciência, nascida no final do século XIX. A abordagem do inconsciente revelava uma intimidade recalcada (escondida), mas expunha também os vícios privados da ordem social puritana. A descoberta do pensamento inconsciente não é inteiramente nova, mas a sua revelação fundamentada na observação de “factos psíquicos” é revolucionária. Abre-se ao pensamento científico uma nova dimensão, a da “realidade psíquica”. Pensamentos e sentimentos são agora objeto de notação e análise.

A Psicanálise é um método de tratamento, por via do autoconhecimento e aperfeiçoamento das capacidades afetivas e intelectuais. Desta forma, é uma abordagem que alia os fatores razão e emoção, tantas vezes colocados em antípodas. Na atualidade, múltiplas teorias atribuem lugares diversos à emoção. Exemplificando, a inteligência pode ser vista como um recurso de segurança para a experiência emocional, ou como um fluxo de ideais/desejos num discurso harmonioso de tonalidade afetiva prazerosa, tantas vezes afastada das evidências. A nossa proposta colhe da Psicanálise, distinguindo-se destas, para reconhecer na emoção um motor da experiência intelectual. A emoção tem lugar em cada passo do processo de pensamento. O embotamento emocional, tal como a exacerbação de uma emotividade superficial, é defensivo. Decorre da fragilidade do “aparelho mental” face à pressão da angústia, e resulta no empobrecimento do pensamento, e da qualidade de vida. Daqui decorre a urgência de manter a “higiene” dos processos de pensamento. Dos desenvolvimentos da Psicanálise, podemos colher uma atitude de abertura, simultaneamente intelectual e emocional, à expressão da razão e da emoção, ampliando a qualidade das relações e a riqueza dos fenómenos mentais.

Sérgio Cunha (Psicólogo Clínico)