Brincar… Fronteiras para o Infinito

Brincar… Fronteiras para o Infinito

O jogo da criança é uma atividade espontânea. As emoções buscam um lugar de expressão e transformação. O desejo encontra o seu alvo, nem que seja sob formas alternativas, mediado por brinquedos e objetos apropriados pela criança. Nesse espaço “outro”, desenvolve-se uma função “alquímica” processando pensamentos rudimentares, limitados (instintos) e pesados (carregados de afeto), para criar uma capacidade de pensar aberta à experiência. Esta capacidade de pensar fundamenta a vida inteligente, recriando-se em cada encontro com novas realidades e afetos.

Criança é aquele ser que se cria, que está em criação. O jogo é, pois, uma característica da criança, como o seu peso ou a sua estatura. Os pais procuram facilitar esse processo, recorrendo a atividades sofisticadas. No entanto, algumas atividades estão saturadas de conteúdos, mais ou menos sedutores, mas (tantas vezes!) pouco disponíveis para receber as questões, os medos, as zangas, os amores e os ódios que a criança necessita de encenar. Um espaço para o desenvolvimento intelectual da criança pequena terá que estar aberto à sua experiência espontânea e individual.

A experiência da criança é intensa, mas essa intensidade deve ser entendida como sinal da sua urgência em ser escutada. Por vezes, o adulto entende a intensidade da expressão infantil como se de um afeto adulto se tratasse. A origem desta falha de comunicação reside num desequilíbrio entre a intensidade da experiência emocional da criança e a disponibilidade do adulto cuidador. Poderíamos descrever esta falha comunicacional como um “Erro de Tradução” ou “Confusão de Línguas” (ver Sándor Ferenczi). O resultado é a devolução à criança de elementos que ela não entende. Quando isto acontece, a criança perde a possibilidade de pensar as emoções que tinha confiado ao adulto, apenas lhe restando a energia dos afetos, associada a elementos inaptos ao pensamento. Este tipo de interação é empobrecedor da vida mental. É necessário estar alerta para este obstáculo ao desenvolvimento, evidenciado na repetição de um padrão de comportamento carregado de excitação, tendendo para o isolamento, refratário à mediação pelo adulto. Embora barreiras externas possam impor-se, aquilo que define uma experiência crítica é de uma dimensão individual, só podendo ser entendido no encontro íntimo. O espaço clínico é o adequado à identificação dos entraves ao desenvolvimento emocional e intelectual, viabilizando a regressão à experiência traumática e a reposição da função criadora.

Pais que pedem sugestões de atividades favoráveis ao desenvolvimento do seu filho, devem ter em conta dois fatores: 1) a relação pela fantasia e pelo afeto; 2) o exercício e sistematização. Se o primeiro fator é fundador, o segundo vai ganhando peso, com preponderância no período entre os 7 e os 10 anos. O bebé necessita de se envolver e habitar na fantasia da mãe. A crescente apropriação da realidade circundante deve ser acompanhada do entendimento do adulto, encontrando uma linguagem para a experiência, e tirando partido do ímpeto da criança para o treino e o domínio de capacidades.

Assim, o brincar é uma forma de relação: do bebé com a sua mãe; de emoções primárias com uma capacidade de pensar em expansão; de uma criança com os seus familiares; de uma criança que treina e mostra domínio sobre as suas habilidades.

Dr. Sérgio Cunha – Psicólogo Clínico